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SOBRE

PROJETO PEDAGÓGICO EMERGENCIAL DO CURSO DE ARTES VISUAIS BACHARELADO E LICENCIATURA - FURG

 

A pandemia ocasionada pelo novo Coronavírus está trazendo mudanças significativas para a sociedade, enquanto não há uma vacina ou remédios que tratem e curem a Covid-19, devemos tomar uma série de medidas como isolamento e distanciamento social, a fim de minimizar a catástrofe humanitária mundial que se apresenta. 

O início do ano de 2020 coincidiu com o alastramento mundial da enfermidade, levando à suspensão de atividades presenciais nas instituições educacionais de vários países e à adoção de novas estratégias pedagógicas para a continuidade dos seus processos de ensino-aprendizagem a partir 11 de março de 2020, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou oficialmente que enfrentávamos uma pandemia.

Nessa perspectiva, o ensino remoto apresentou-se como a “alternativa imposta”, ignorando as condições socioeconômicas, físicas e psicológicas de milhões de estudantes e professores. Países como o Brasil, onde a desigualdade social e os índices de miséria são expressivos, a inclusão educacional através do ensino remoto apresenta-se como um desafio difícil de cumprir, tendo em vista a dificuldade de acesso à internet das populações mais pobres do país[1]. No entanto, mesmo diante deste cenário, tanto o Ministério da Educação (MEC), como outras instâncias vinculadas à educação, publicaram portarias e resoluções na tentativa de atender o período emergencial de maneira remota. Quando se poderia aventar, por parte do órgão máximo da Educação no país, uma ação orientada e integrada entre os diferentes níveis de ensino para uma retomada conjunta quando fosse possível após o pleno restabelecimento da ordem sanitária primando, assim, pelo cuidado com a saúde coletiva da população.

Em decorrência dessa situação, no Brasil, em 20 de março de 2020, a Presidência da República emitiu o Decreto de nº 06, reconhecendo o “estado de calamidade pública nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020, ao Congresso Nacional”. Nesse contexto, no período de março a maio de 2020, o MEC emitiu as Portarias nº 343/2020, nº 345/2020, e nº 473/2020 (BRASIL/MEC 2020b, 2020c, 2020d), que dispõem sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais não-presenciais enquanto durar a situação de pandemia do novo coronavírus. Por último, em 16 de junho de 2020, através da Portaria nº 544 (BRASIL, 2020e), o MEC prorrogou, até o dia 31/12/2020, a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais, revogando as demais.

A esse respeito, o Conselho Nacional de Educação (CNE) também se pronunciou e, em 28 de abril de 2020, emitiu o Parecer CNE/CP nº 5/2020 que trata da reorganização do calendário escolar e da possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima anual (BRASIL, 2020g).

Faz-se importante situar que, frente à declaração da pandemia pela OMS, em 20 de março, a Reitoria da Universidade Federal do Rio Grande - FURG, através da Portaria nº 0533/2020, suspendeu "as aulas, eventos e atividades acadêmicas extracurriculares para os Cursos de Graduação e de Pós-Graduação na modalidade presencial por um período mínimo de 60 dias contados a partir de 16/03/2020" (FURG, 2020a).  Nesse mesmo ato, anunciou a elaboração do Plano de Contingência pelas Unidades Acadêmicas, Pró-Reitorias, Órgãos Vinculados e os Campi fora da sede, de modo a preservar a saúde dos servidores e colaboradores, visando à manutenção das atividades essenciais de cada setor. Em maio, pela Portaria nº 0723/2020, a suspensão das atividades foi  prorrogada por tempo indeterminado (FURG, 2020b).

Diante da conjuntura, foi criada a Comissão Acadêmica no âmbito do Plano de Contingência da FURG em razão da pandemia de COVID-19 (Portaria nº 750/2020), formada por membros da Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD) e Coordenadores de Cursos de Graduação representantes de cada uma das unidades acadêmicas da instituição. Esta Comissão teve como atribuições:

I – Elaboração de Diretrizes Acadêmicas Gerais para o ensino de graduação em virtude da pandemia de COVID-19;

II – Mapeamento das ações pedagógicas a partir das propostas elaboradas pelas Coordenações e Núcleos Docentes Estruturantes (NDEs) dos Cursos de Graduação e

III – Assessoramento para a reprogramação das atividades acadêmicas e auxílio no desenho educacional dessas atividades, considerando a necessidade de distanciamento social na utilização dos espaços físicos da universidade. (FURG, 2020c)

Nesse sentido, houve uma consulta, através de aplicação de um questionário elaborado pela Comissão, dirigida aos estudantes e docentes da FURG. O objetivo deste mapeamento de informações seria subsidiar o planejamento de ações e estratégias para retomada das atividades acadêmicas durante o período emergencial. Paralelamente ao mapeamento, a Comissão elaborou as Diretrizes Acadêmicas Gerais para o ensino de graduação durante o período emergencial, que após discussão em diferentes instâncias da universidade resultou na Deliberação nº 023/2020 (FURG, 2020d), aprovada pelo Conselho de Ensino, Pesquisa, Extensão e Administração (COEPEA).

Na sequência, foi elaborado o calendário acadêmico emergencial, aprovado pela Deliberação nº 029/2020 (FURG, 2020e), em 29 de julho, que determinou o início do período emergencial 2020/1 para 14 de setembro de 2020.

Em 10 de agosto de 2020, o Centro Acadêmico das Artes Visuais – Ilha das Flores enviou à Coordenação dos Cursos de Artes Visuais as Diretrizes dos Estudantes de Artes Visuais – Licenciatura e Bacharelado da FURG para a Retomada das Atividades Durante o Período Emergencial, que dispõe sobre as exigências estudantis para orientar a construção político-pedagógica nos cursos de Artes Visuais da FURG. Nesse documento, aprovado em Assembléia Estudantil, os estudantes exigem que "não sejam ofertadas as disciplinas práticas, disciplinas obrigatórias do núcleo comum e núcleos específicos dos cursos de Artes Visuais", defendendo que "deve ser priorizada a oferta de projetos, disciplinas e ações pedagógicas - de cunho complementar – baseados no tripé universitário, que se relacionem ao cenário de pandemia que estamos vivenciando e/ou aos debates emergentes dentro e fora da academia" (CENTRO ACADÊMICO DAS ARTES VISUAIS, 2020, p.3-4  ).

A partir desse panorama, entendendo que "as instituições educativas e os professores foram forçados a adotar práticas de ensino a distância, práticas de ensino remoto de emergência, muito diferentes das práticas de uma educação digital em rede de qualidade" (MOREIRA, HENRIQUES, BARROS, 2020, p. 351) e considerando: (1) os resultados dos questionários dos discentes e docentes; (2) o posicionamento contrário à oferta de disciplinas obrigatórias e favorável à realização de atividades complementares, defendido pelo Centro Acadêmico das Artes Visuais; (3) o entendimento dos docentes sobre o contexto sanitário, político e educacional e suas escolhas pedagógicas para este momento; e (4) a flexibilização permitida pelas Diretrizes Acadêmicas Gerais para o ensino de graduação durante o período emergencial, a Coordenação, em conjunto com o Núcleo Docentes Estruturante (NDE) e os docentes dos Cursos de Artes Visuais – Bacharelado e Licenciatura, após a realização de inúmeras reuniões de discussão e planejamento,  elaborou este Projeto Pedagógico Emergencial (PPE).

Nesse cenário surge o projeto Retratos 4 x4 e vozes escutantes em meio à pandemia: reflexos e ações junto a comunidades mais vulneráveis que visa possibilitar reflexões sobre o papel da Universidade nos dias de hoje e a sua função social e cultural, provendo o contato entre a universidade pública e a comunidade, por meio de ações efetivas que elevem a autoestima, os cuidados básicos com a saúde e bem-estar, a fim de que possamos superar as necessidades mais prementes em meio ao contexto atual.

Retratos 4 x 4 e Vozes Escutantes em Meio à Pandemia: reflexos e ações junto a comunidades mais vulneráveis

Eu parei de lutar conta o tempo

Ando exercendo instantes

Acho que ganhei presença

Viviane Mosé

 

Vivemos um momento extremamente delicado face à pandemia que se instaurou em todo o mundo. Vivemos em meio ao medo, insegurança e incertezas diante deste cenário, que, ao que parece, não tem data para acabar. Mais do que nunca precisamos ter engajamento socioambiental. Isso significa também pensar no coletivo, pensar no outro.

 

Ao falar deste momento, Ailton Krenak afirma que

Assistimos a uma tragédia de gente morrendo em diferentes lugares do planeta (...). Essa dor talvez ajude as pessoas a responder se somos de fato uma humanidade. Nós nos acostumamos com essa ideia, que foi naturalizada, mas ninguém mais presta atenção no verdadeiro sentido do que é ser humano. É como se tivéssemos várias crianças brincando e, por imaginar essa fantasia da infância, continuassem brincando por tempo indeterminado. Só que viramos adultos, estamos devastando o planeta, cavando um fosso gigantesco de desigualdades entre povos e sociedades. De modo que há uma subumanidade que vive numa grande miséria, sem chance de sair dela – e isso também é naturalizado. (KRENAK, 2020, p.5-6)

Chamada de Sul por Boaventura Santos, tal subumanidade “têm em comum padecerem de uma especial vulnerabilidade que precede a quarentena e se agrava com ela”. Para o autor, “o Sul não designa um espaço geográfico. Designa um espaço-tempo político, social e cultural. É a metáfora do sofrimento humano injusto causado pela exploração capitalista, pela discriminação racial e pela discriminação sexual” (SANTOS, 2020, p.15).

Nesse sentido, Boaventura sustenta que “as pandemias não matam tão indiscriminadamente quanto se julga. É evidente que são menos discriminatórias que outras violências cometidas na nossa sociedade contra trabalhadores empobrecidos, mulheres, trabalhadores precários, negros, indígenas, imigrantes, refugiados, sem abrigo, camponeses, idosos, etc. Mas discriminam tanto no que respeita à sua prevenção, como à sua expansão e mitigação” (SANTOS, 2020, p. 23).

 

Igualmente, para Frateschi,

 

Ao contrário do que pensa Giorgio Agamben, a sociedade acometida pela pandemia não é uma ‘massa compacta e passiva’, mas composta por pessoas portadoras de distintos marcadores sociais e que vivem os efeitos da pandemia em conformidade com as distintas maneiras pelas quais interseccionam classe, raça e gênero, etnia, sexualidade, idade. (...) Ou seja, a pandemia e as maneiras necessárias de controlá-la não são sentidas e vividas da mesma maneira sem distinção de gênero, raça e classe, pois precariza vidas já precárias (Judith Butler) e expõe todas as incapacidades do neoliberalismo em garantir o básico para a maioria das pessoas (Angela Davis). (FRATESCH, 2020, s/n)

 

Pensando nisso, a proposta pretende alcançar aqueles coletivos que vivem em vulnerabilidade, ainda mais hoje em dia, como mulheres e crianças de áreas periféricas, mulheres encarceradas e pessoas com deficiência. Como professoras e estudantes de uma universidade pública devemos nos acolher e buscar o contato efetivo com aqueles que viram sua situação vivencial piorar consideravelmente.

Ao nos aproximarmos, nos conectamos com histórias de vida, relatos e narrativas que irão cruzar-se com nossas próprias vidas. As pessoas envolvidas nesta proposta pedagógica atravessarão as fronteiras que delimitam nossos espaços e, com isso, talvez, possamos falar de colocar-se no lugar do outro, aparentemente tão diferente de mim. Ou seja, possamos falar em interagir verdadeiramente.

A esse respeito, bell hooks comenta que

Ouvir as vozes e os pensamentos individuais uns dos outro, e às vezes relacionar essas vozes com nossa experiência pessoal, nos torna mais conscientes uns dos outros. Esse momento de participação e diálogo coletivo significa que os alunos e o professor respeitam – e invoco aqui o significado originário da palavra, “olham para” – uns aos outros, efetuam atos de mútuo reconhecimento e não falam somente com o professor. A partilha de experiências e narrativas confessionais em sala de aula ajuda a estabelecer compromisso comunitário com o aprendizado. Esses momentos narrativos são, em geral, o espaço onde se rompe o pressuposto de que todos nós partilhamos as mesmas origens de classe e os mesmos pontos de vista. Ainda que os alunos admitam a ideia de que nem todos têm as mesmas origens de classe, pode ainda acontecer de pensarem que os valores dos grupos materialmente privilegiados serão a norma da classe. (hooks, 2013, p.247)

Para Bauman, “existimos porque somos diferentes, porque consistimos em diferenças. No entanto algumas dessas nos incomodam e nos impedem de interagir, de atuar amistosamente, de sentir interesse pelos outros, preocupação com os outros vontade de ajudar os outros” (BAUMAN, 2009, p. 76).

Ao sairmos da nossa zona de conforto, desacomodamo-nos. Saímos, portanto, daquela bolha - aparentemente segura – que, por vezes, impede-nos de agir. Pois como bem diz Bauman, “recortamos para nós mesmos um lugarzinho suficientemente confortável, acolhedor, seguro num mundo que se mostra selvagem, imprevisível ameaçador” (BAUMAN, 2009, p. 76).

Devemos, para sair de nosso como do casulo, trabalhar com a indignação, a ira e a compaixão. Com as duas primeiras, inauguramos a ação, um novo estado que não nos paralisa. “A ira (...) coloca definitivamente em questão o presente. Ela pressupõem uma capacidade que está em condições de interromper um estado, e fazer com que se inicie um novo estado.” (HAN, 2017, p. 54)

Ao inaugurarmos um outro estado, a ação se dá e a compaixão inaugura sua urgência em fazer-se existir. Bauman, uma vez mais, leva-nos a perceber que “a preocupação contemporânea está toda aí: levar essa compaixão e essa solicitude para a esfera planetária (...) a começar por sua casa, por sua cidade - e já. (BAUMAN, 2009, p. 90).

Assim, a proposta pedagógica busca sair do ambiente acadêmico para alcançar nossas inquietudes em benefício de uma práxis voltada para as comunidades mais vulneráveis, contribuindo para uma formação acadêmico-profissional voltada para a centralidade da vida, os valores comunitários e solidários, a  participação e transformação socioambiental e cultural.

Cabe contextualizar que as professoras proponentes vêm, desde o início da suspensão do calendário acadêmico, se envolvendo em ações solidárias voltadas à minimização dos efeitos da pandemia, juntamente com estudantes e coletivos externos à universidade. Essas experiências serão integradas a esta proposta pedagógica.

Acesso: https://artes.furg.br/documento

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